PRODUÇÃO EM SÉRIE
Ontem estava relendo um livro que ganhei no Natal e já devorei várias vezes (DE WAAL, Frans. A era da empatia: lições da natureza para uma sociedade mais gentil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010). Toda a vez que o abro, descubro um novo ângulo, um novo tópico, uma nova discussão (tudo na minha rica cabecinha, é claro!). Pois então... Ontem, deitada na beira da praia do Leblon, água quentinha (para os padrões gaudérios) e transparente (fazendo quase esquecer os 40ºC à sombra rsrs) abri meu livrinho mais uma vez e me deparei com a seguinte frase nos agradecimentos (eu, r e a l m e n t e, adoro ler agradecimentos – a gente aprende cada coisa acerca das pessoas com isso! Uma maravilha): “Durante aproximadamente uma década, acumulei informações sobre o papel da empatia e da confiança na sociedade – tanto humana como animal – para A era da empatia”. Talvez para um leitor desavisado essa informação passe despercebida e sem significado maior. Todavia, me proponho a provocar a partir de alguns pressupostos. O escritor é um acadêmico, pesquisador reconhecidíssimo em seu campo de atuação. Zilhões de pesquisas desenvolvidas. Diretor de centro de pesquisa super, hiper, mega (fixe!) renomado. Disputado por várias instituições. E, nos agradecimentos, o dito se dedica a agradecer as pessoas que o ajudaram nesses DEZ (10) ANOS de pesquisa, pois lhe possibilitaram escrever a obra em questão. Aí botei meus botões a funcionar... Dez anos de pesquisa para publicar 1 livro! Certamente, já houve artigos desenvolvidos, já houve palestras... Mas não muda nada o fato de que levou dez anos para construir as, aproximadamente, 350 páginas do seu livro. Pensei em vários outros acadêmicos de renome. Qual foi mesmo o último lançamento do John Rawls? O Jürgen Habermas publica um livro por ano? E o J.J.? O Professor Gomes Canotilho? Quantos livros publicou no ano passado? Quantos artigos em quantas revistas Qualis A? E o Alexy? Ta, tudo bem, agora já estou exagerando... É que essa indústria ta chegando à beira do ridículo. As agencias de fomento à pesquisa no Brasil, as mesmas que depois avaliam os cursos de pós-graduação nas universidades brasileiras, exigem quantidade. Querem que os questionários acerca dos cursos e das instituições preencham quantos... Quantos doutores? Quantos alunos? Quantas disciplinas? Quantos artigos? Pouco importa se o artigo publicado tem alguma coisa a ver com o que é pesquisado pelo programa examinado (tudo bem, tudo bem, as vezes importa! hehe). Pouco importa se a formação do pesquisador tem a l g u m a coisa a ver com o que ele vai ter que ensinar no programa. Números. O que importa são os números. É a transformação das ciências sociais aplicadas (no meu caso) para uma nova ciência econômica. Dia desses me dei ao trabalho (dizem que a curiosidade matou o gato... bom, mata as gatas também hehehe) de realizar um levantamento (com uso de excel e tudo mais) acerca da produção de alguns cursos de mestrado e doutorado em Direito no Brasil. A surpresa (que não foi surpresa, pois a minha hipótese foi confirmada e voi là... tese!) é de que poucos são os que publicam pesquisas com aderência e inovadoras todos os anos. Poucos são os que publicam na área do programa a que pertencem. Poucos são os que mantêm uma linha de pesquisa coerente. Muitos são os que fazem parte de um prêt-à-porter de ciência. Mercantilização de artigos. E sabem o que é pior (ou melhor, acho que melhor) achei que estava sendo super criativa nessa crítica, inovadora mesmo. e, de repente, não mais do que de repente encontro isso: “a contabilização numérica de artigos publicados em revistas científicas legitima acadêmicos em seus campos de atuação. Mas em um cenário em que recursos de internet estão cada vez mais avançados, os papers podem ter se tornado uma mercadoria acadêmica que estaria seguindo a tendência do "darwinismo bibliográfico", cujo lema é publicar ou perecer”. Essas foram as conclusões do artigo Entre fetichismo e sobrevivência: O artigo científico é uma mercadoria acadêmica?, publicado na revista Cadernos de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os autores são Luis David Castiel, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) da Fiocruz, e Javier Sanz-Valero, da Universidade de Alicante, na Espanha. Tudo bem, se a minha idéia não foi original lá se foi a minha tese, mas pelo menos não estou sozinha! E reflitam comigo: se Frans De Waal fosse brasileiro já tinha levado um cartão vermelho. Imagina... dez anos para produzir um único livro...
To louca pra ler esse livro, pq tu tá papagaiando ele há tantos dias que to correndo com os que comecei em 2010 pra ver se acabo de uma vez.
ResponderExcluirQto a ler as dedicatorias e agradecimentos, tb acho que dizem muito sobre a pessoa, adoro.
Melhor 1 livro de virar a cabeça de 10 em 10 anos do que 10 livros que nao nos dizem nada.
Falou e disse Terla!!!! hehe
ResponderExcluirAh! Me senti na obrigação de dividir um ocorrido! Essa semana numa reunião acadêmica escutei o seguinte comentário acerca de uma brilhante professora portuguesa: "ela é fraca, publica demais, fica sem conteudo". PQP! Como é que é? Os mesmos que malham se não publica são os que malham se publicam. Vão se tratar! Já tem remédio para isso! Acho que o problema é ser mulher e ser boa, muito boa!
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